Como ganhar produtividade sem perder as características funcionais da raça?
Da série: dilemas do Nelore do século XXI
Como ganhar produtividade sem perder as características funcionais da raça?

O lá amigos pecuaristas! Aqui para as bandas de Jaboticabal (SP), a temperatura já caiu – estamos a cerca de um mês para o inverno. Nas fazendas visitadas recentemente, vi que o capim amarelou, presságio de uma seca que se apresenta – como em todos os anos, mais severa ou mais tranquila, um ciclo anual regido pela Mãe Natureza. Aproveitando o rumo da prosa, vamos falar da raça Nelore, que é uma dessas maravilhas biológicas moldadas através da seleção natural e que, por uma sequência de eventos bem-sucedidos, chegou ao século XX com grande aptidão para produzir em ambientes tropicais desafiadores. 

Incrível, o Nelore imprimiu uma verdadeira ocupação genética desde as primeiras importações, de 1870 a 1875, passando por aquelas de suma importância para a raça, em 1960 e 1962, até chegarmos à recente implementação das provas de ganho em peso e de programas de melhoramento genético. Neste século, tivemos mais uma iniciativa de trazer variabilidade genética da Índia através de embriões. 



O fato é que, com essa história de cento e tantos anos no Brasil, a raça Nelore - de maneira espetacular -, dominou as pastagens em nosso país. Estima-se, hoje, que das cerca de 220 milhões de cabeças no rebanho brasileiro, em torno de 75 milhões, sejam de vacas de corte. E destas cerca de 48 milhões podem ser consideradas Nelore pela predominância de genes da raça – sangue “nelor”, como diz o caboclo. 

Pois é, o Nelore constituiu a raça base da pecuária brasileira pelas qualidades inerentes à sua natureza, já que apresenta tolerância ao calor e aos parasitas internos e externos, além de pouca exigência em nutrição – características que são consideradas a rusticidade da raça. Sua adaptabilidade (rusticidade), de uma maneira geral, reflete na fertilidade. Nos touros, confere maior capacidade de perseguir as matrizes no cio mesmo em dias mais quentes. Assim como a saúde confere vigor, os bons aprumos e o umbigo corrigido são importantes para melhor a eficiência do reprodutor. 

E a vaca? Seguindo o rumo da conversa, a vaca é a grande responsável pelo tamanho sucesso da raça. Pouco exigente também na nutrição, se recupera bem da seca, tem alta taxa de prenhez, parindo no campo com facilidade. Cuida de seu bezerro e estimula a circulação de uma cria de vigor e que, de imediato, se levanta para a primeira mamada, facilitada por tetos na medida certa. Isso é fundamental para a sobrevivência – ao consumir o colostro, o recém-nascido se nutre de imunoglobulinas, que o ajudarão a enfrentar os desafios do mundo fora do útero. Além disso, os instintos de perpetuação da espécie fazem dessa mãe uma protetora do bezerro contra predadores naturais. Com todas essas qualidades, fica claro porque rebanhos volumosos de matrizes são predominantemente Nelore, que podem receber o título de “mães da pecuária nacional” expressão que escutei estes dias do amigo Fábio Dias. Isso é verdade, devido às características maternais, a raça só cresce na pecuária comercial. 

Estamos falando de uma raça bruta, que enfrentou adversidades para dominar o rebanho brasileiro, mas que, por suas qualidades naturais, chegou até aqui e, agora, enfrentará seus dilemas no século XXI. 

Desde as primeiras importações o ambiente médio da pecuária brasileira mudou bastante, tanto com relação ao manejo sanitário, como manejo de pastagens e estratégias de suplementação, e assim é natural que a genética mais eficiente será aquela que melhor produzir nos modelos de hoje de sistemas de produção. E quais são esses modelos num país continental como o nosso? E como selecionamos para ganho em peso sem comprometermos a facilidade de parto? Como selecionamos animais mais produtivos sem elevarmos o nível de exigências ambientais? 

Já incorremos no erro, em um determinado momento, nas pistas de julgamento, de buscar o desempenho a qualquer custo. Será que podemos incorrer em erro similar na busca do desempenho em índice genético a qualquer preço? Erros são inerentes a qualquer processo, inclusive de melhoramento, mas a redefinição de rumo é fundamental para se antecipar as tendências de mercado – já que “o mercado é soberano” e vai determinar quais serão os rebanhos ou raças protagonistas em nossa pecuária nas próximas décadas. 

Existe um “porém” na clássica frase: a genética precisa de ambiente para se expressar. Acontece que o sistema de produção mais lucrativo é que precisa da genética adequada para que o resultado da atividade seja de melhor resultado. Podem ter uma certeza, o sistema que potencializa a produção ao máximo não é o mais lucrativo para o corte. É só olharmos para os custos de uma cocheira que podem ser justificados pelo valor agregado do indivíduo como genética, mas não para carne. 

A prosa é longa e o espaço na coluna é limitado, assim, continuarei com este tema nos próximos meses. A ideia é colaborar com o amigo leitor na reflexão sobre a genética mais adequada para seus objetivos, e para o bem da pecuária do Brasil. Cuidem-se, preservem os grupos de risco e Vamos Que Vamos! Pois o agro não para, e nossa missão mais digna é colaborar com a produção para que não falte alimento na mesa do brasileiro e de boa parte do planeta.