O céu de brigadeiro que favoreceu a indústria brasileira de carnes no último ano deu lugar a turbulências. Ainda que a China, principal mercado para os embarque do Brasil, continue dependendo de importações para lidar com a escassez de oferta gerada pela epidemia de peste suína africana, os frigoríficos agora enfrentam problemas no país asiático. Custos de produção em alta também pressionam a rentabilidade do ramo.
Para aqueles que exportam carne bovina, a China já havia se tornado um desafio em janeiro, ainda antes da disseminação do coronavírus. Naquele momento, uma rápida queda no preço pago pelos importadores chineses e um movimento de pedidos agressivos de desconto sobre cargas já no mar assustaram empresários, especialmente de indústrias de médio e pequeno porte.
Com o agravamento do coronavírus na China e a consequente parada da economia chinesa, em fevereiro, os portos se tornaram um problema. Com os contêineres refrigerados parados no país asiático, começou a faltar tomadas para mantê-los refrigerados, o que levou a desvios de rota – navios foram deslocados para portos de outros países como Cingapura e Vietnã, entre outros.
Aos poucos, a avaliação de fontes da indústria é que a atividade nos portos está se normalizando, mas que vai demorar algum tempo até que todos os efeitos colaterais do caos na logística sejam resolvidos. Além disso, a avaliação é que a menor circulação de pessoas na China reduzirá o consumo fora do lar, o que atinge a carne bovina, como alertou recentemente o Rabobank. O banco holandês projeta que as importações chinesas de carne deverão voltar ao normal apenas no segundo semestre.
Conforme um alto executivo da indústria, os resultados dos primeiro trimestre serão contaminados pela parada chinesa. Em entrevista na semana passada, ele avaliou que a falta de contêineres refrigerados na primeira quinzena de março derrubará as exportações deste mês.
Em fevereiro, as exportações de carne bovina já sentiram algum reflexo. As exportações do Brasil caíram 6% em volume ante igual período do ano anterior, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). Segundo a entidade, o ritmo de vendas para a China, que disparou no quarto trimestre do ano passado – superando 80 mil toneladas mensais -, voltou para os patamares anteriores. Em fevereiro, mês de menos dias úteis, foram pouco mais de 60 mil toneladas.
Do lado dos custos de produção, o boi gordo não dá trégua. Com o clima chuvoso, a pastagem ganha qualidade, o que dá poder de barganha para os pecuaristas, que podem segurar o animal no pasto por mais tempo. Em fevereiro, o indicador Esalq/B3 para o boi gordo subiu 5,74% em São Paulo, superando a casa de R$ 200 por arroba outra vez.
A avaliação na indústria é que esses preços não remuneram a carne vendida no mercado interno. As vendas no Brasil absorvem a maior parte da produção nacional – entre 70% e 75% do total. A situação é pior para os frigoríficos que não exportam e, portanto, não conseguem se beneficiar do dólar valorizado. Grandes como Marfrig e Minerva Foods chegam a exportar mais de 50% da produção. A JBS, por outro lado, vende mais carne no mercado doméstico do que no externo – isso, é claro, considerando apenas as operações da companhia aqui, e não os negócios no exterior.
Fonte: Valor Econômico.