Olá, amigos agropecuaristas. Escrevo esta coluna do aeroporto de Santa Cruz de la Sierra. Estou na Bolívia desde o dia 12 de março e deveria permanecer aqui até o dia 22 deste mês trabalhando em projetos de genética seletiva. Por sorte, consegui um dos últimos bilhetes e antecipei minha volta ao Brasil, já que amanhã, 19 de março, a fronteira da Bolívia deverá ser totalmente fechada e não se sabe até quando.
Que loucura! Em menos de uma semana, o tema do coronavírus (Covid-19) tomou proporções inimagináveis por todo o planeta. Parece roteiro de cinema, e me sinto em meio de uma história de suspense e terror. Agora, é voltar para casa e ficar de quarentena até que as coisas se ajustem.
Saindo do tema coronavírus, que tomou um espaço enorme em nossas vidas – e não podia ser diferente, devido à gravidade das consequências para todos nós –, voltamos à temática seleção de gado. Na coluna anterior, coloquei um título bastante provocativo: “Em tempos de genômica, será que existe criador que ainda olha para o gado?”.
Em geral, a repercussão foi positiva. Porém percebi, nas redes sociais, que algumas pessoas não entenderam que a ideia era justamente criticar boa parte do mercado, que tem considerado as avaliações genéticas e genômicas como verdades absolutas, e tratando o TOP em um índice como critério de seleção único para todas as realidades de ambiente. Vale refletir que podem existir TOP 0,1%, 0,5% ou 1% desbalanceados na régua de DEPs e/ou muito fracos para morfologia.
É necessário tomar cuidado com essa concepção, principalmente se o Nelore começa a apresentar perda de identidade, não só em caracterização racial, mas em características funcionais, como peso ao nascer, aprumos, correção de umbigo/prepúcio e, o mais preocupante, no modelo de carcaça como produtor de carne.
Lembrem-se: existem touros bem avaliados nos programas de melhoramento, negativos para leite ou que não apresentam aquele volume de posterior que raças produtoras de carne devem ter – é só dar uma volta nas centrais de inseminação.
Considerei incrível a manifestação de alguns leitores que, aparentemente, nem leram a coluna e partiram para a contestação do título como se eu estivesse defendendo que genômica é tudo.
Essas pessoas seguramente se equivocaram, já que meu foco de trabalho em melhoramento sempre foi o equilíbrio entre números e fenótipo, dando grande ênfase ao olho humano como ferramenta de seleção e com muito respeito à sabedoria de selecionadores tradicionais de gado zebu.
Nessa linha, trabalhei meu mestrado e meu doutorado, e desenvolvemos a metodologia
EPMURAS, que tem por objetivo colocar ciência nos olhos e fazer com que selecionadores, técnicos e mercado tenham uma comunicação mais clara.
Digo com segurança que, quanto mais estudo e quanto mais compreendo avaliações genéticas, até chegar à genômica, mais tenho a consciência de que essas ferramentas são muito poderosas, embora possuam limitações e careçam de muita interpretação. Isso significa que não é possível substituir totalmente a capacidade do selecionador de ponderar informações, algo que somente de quem vive a fazenda e “olha o gado” com sabedoria consegue.
É, amigos, com toda a tecnologia que possa existir para dar suporte à seleção, o olho do dono continua importante para “engordar o porco”, e só o olho do selecionador – referindo-me à interpretação genética, as avaliações fenotípicas intrarrebanho e à capacidade de definir seus critérios próprios de seleção, incluindo morfologia – poderá dar identidade e diferencial ao gado.
Espero que meu posicionamento tenha ficado mais claro, mesmo para aqueles que têm dificuldade de entender uma crítica construtiva.
Não é de hoje que assumo uma posição de estudar, trabalhar duro no campo (pistas e currais) e me expor em cursos, artigos e palestras, sempre com muito respeito à diversidade de pensamentos e preparado para defender aquilo que acredito em prol de uma pecuária mais produtiva. É isso aí. Vamos que vamos!